quinta-feira, 13 de outubro de 2011

COMUNIDADES TRADICIONAIS RIBEIRINHAS NO NORTE DE MINAS E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS A PARTIR DA IMPLANTAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Rosangela da Silva[1]

            Quando nos referimos às comunidades tradicionais é muito comum que em nosso pensamento logo apareça a ideia de aldeias indígenas e quilombos. No entanto, é necessário esclarecer que o conceito de comunidades tradicionais também insere outros povos como os ribeirinhos. Este é o caso dos vazanteiros do extremo norte de Minas Gerais.
 A partir de vivências proporcionadas pelo projeto de Extensão Lições da Terra da PUC/Minas Gerais, foi desenvolvida pesquisa que objetivou avaliar os impactos ambientais para a comunidade tradicional vazanteira – Pau Preto - em função da implantação do Parque Estadual Verde Grande, Matias Cardoso MG.
Neste breve texto não pretendo abordar todos os aspectos da pesquisa, mas apenas esclarecer alguns elementos que nos levem à compreensão destas comunidades e os conflitos sócios ambientais.
            Segundo DIEGUES (1994), comunidades tradicionais são aquelas que o modo de vida está relacionado com “um tipo de organização econômica e social com pouca ou nenhuma acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado. Nelas produtores independentes estão envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como agricultura, pesca, coleta e artesanato”. p.94.
            Os vazanteiros são populações que têm suas relações sociais de produção baseadas nos ciclos de cheia e vazante do rio São Francisco. No período da cheia o rio toma grande parte das ilhas deixando depois um lameiro onde estas comunidades utilizam para plantar feijão, abóbora, melancia e outros. São também pescadores artesanais em sua maioria.  OLIVEIRA (2005) aborda questões relativas a identidade dos vazanteiros do médio São Francisco a partir da etnicidade ecológica, englobando-os na categoria de populações tradicionais. Os vazanteiros podem ser definidos como:
            “(...) populações residentes nas áreas inundáveis das margens e ilhas do rio São Francisco que se caracterizam por um modo de vida específico, construído a partir do manejo dos ecossistemas são franciscanos; combinando nos diversos ambientes que constituem o seu território, atividades de agricultura de vazante e sequeiro com a pesca, a criação de animais e o extrativismo.”p.11
A dinâmica e integração com o rio fazem com que o território destas comunidades tradicionais seja um “território fluído” (DIEGUES, 2008). O território vazanteiro também é conhecido como um território “móvel”, o que pode ser demonstrado pela mobilidade dos grupos sobre o território e pela mobilidade física em função do ciclo do rio “cujas secas e enchentes alteram a área e os limites das ilhas, exigindo a redefinição do “pedaço de ilha” de cada família”[2].
            A ampliação da modernização agrícola a partir da década de 60 e consolidada no norte de Minas Gerais a partir do Projeto Jaíba, impuseram um novo ritmo às relações sociais de produção e reprodução do espaço. Disso adveio a necessidade de se criar medidas compensatórias através de áreas protegidas, que por sua vez recaíram sobre as populações tradicionais do norte de Minas. Ao passo que cresce a apropriação de grandes áreas para o desenvolvimento da chamada modernização no campo ocorre um recuo das práticas tradicionais inseridas num contexto de aliança entre biodiversidade e cultura.
O desenvolvimento da sociedade urbano industrial gerou a demanda da criação de Unidades de Conservação, sendo este um fenômeno da modernidade. A modernidade e o que com ela adveio tende a uma referência negativa do tradicional, negando o antigo para se afirmar. A transposição do “mito moderno da natureza intocada” dos EUA para países tropicais como Brasil, com diferenças ecológicas e culturais acentuadas, implicou em conflitos que inúmeras vezes geraram a perda do território de populações tradicionais existentes em áreas de florestas.
Estas ações, a partir da implantação de modelos de Unidades de Conservação, com visão preservacionista ampliaram as dicotomias da relação homem natureza potencializando conflitos relativos à relação homem e Unidades de Conservação. Estas dicotomias foram ampliadas com a implantação de modelos de Parques Estaduais desabitados voltados pra o estudo científico, beleza cênica e contemplação turística.
O processo de implantação de Unidades de Conservação em áreas de Comunidade tradicional pode estar associado a conservação da diversidade biológica e cultural, evitando assim o processo de desterritorialização. Logo, estas comunidades podem ser aliadas no processo de conservação dos ecossistemas presentes em seu território; haja vista que são exatamente estas áreas, por se encontrarem em melhor estado de conservação, as escolhidas para implantação de Unidades de Conservação. O Estado ao (re) territorializar se apropria de espaços comuns desterritorializando aqueles que antes ocupavam estes espaços. GONÇALVES (2004) expõe que:
      “O fundamento da relação da sociedade com a natureza sob o capitalismo está baseada na separação – entre os homens e mulheres, de um lado, e a natureza do outro.” (P.66). Ao privar pequenas comunidades tradicionais do direito à terra e à utilização dos recursos ambientais ali presentes, ocorre a expropriação desterritorializando homens e mulheres, que ao serem “separados das condições naturais essenciais para sua reprodução se tornarão vendedores da sua capacidade de trabalho e compradores de mercadoria”. p,67.
Ao implantarmos Unidades de Conservação de Uso Sustentável assegura-se o direito de permanência destas populações tradicionais vazanteiras em seus territórios unindo tradição e modernidade, o saber empírico e o saber científico; respeitando as relações do espaço vivido e os saberes construídos historicamente pela comunidade.
A implantação de Parques enquanto Unidade de Conservação de Proteção Integral, ao propor desapropriar as famílias gera situações de vulnerabilidade social. Esta situação tem sido vista em áreas do norte de minas gerais em que as famílias ao serem desapropriadas: buscam outras terras nas periferias das cidades ocupando outras porções de ilhas; o que por sua vez remonta o problema; migram para Belo Horizonte, São Paulo e Brasília onde geralmente vivem em situações de subemprego nas periferias e periferias da periferia de grandes centros urbanos em áreas de vulnerabilidade sócio ambiental.
A aliança com os saberes tradicionais para conservação dos recursos ambientais potencializa o desenvolvimento de práticas sustentáveis, respeitando a diversidade de forma de produção agrícola, contribui para a segurança alimentar de centenas de famílias e evita a violação do direito humano que estas famílias possuem de cultivarem seus modos de vida tradicionais.

Referências:
- ACSELRAD, Henri, HERCULANO, Selene, PÁDUA, José Augusto: Justiça Ambiental e Cidadania. 2ª edição, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004. 
- BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. SNUSC – SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. Brasília: MMA, 2006. disponível em: http://www.mma.gov.br/port/sbf/dap/doc/snuc.pdf Acesso em: 13 de Outubro de 2007;
- DAYRELL, C. A. Geraiszeiros y biodivesidad em el Norte de Minas Gerais: la contribuición de la agroecologia y la etnoecologia em los estúdios de los agroecossistemas. Huelva, Universidad Nacional de Andalúcia, 1998. 195p. (Dissertação de Mestrado).
- DIEGUES, Antônio Carlos. Etnoconservação: Novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. 2.ed. São Paulo: HUCITEC, 2000.
- DIEGUES, Antônio Carlos. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2.ed. São Paulo: HUCITEC, 1998.
- DIEGUES, Antônio Carlos, NOGARA, Paulo José. O Nosso Lugar Virou Parque.  São Paulo: NUPAUB, 1994
- DIEGUES A.C.; ARRUDA, R.S.V. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001. 176p.
- GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e Modernidade – Bertrand Brasil, 2ª edição. Rio de Janeiro, 1996.
 - GONÇALVES, Carlos Walter Porto-. O Desafio Ambiental. Organizador: SADER, Emir. – Rio de Janeiro, Record, 2004
- LUZ, Cláudia Oliveira. Vazanteiros no Rio São Francisco. Populações Tradicionais e Territorialidade no Norte de Minas. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Orientador: Andréa Luisa Moukhaiber Zhouri.
- RIBEIRO, Ricardo Ferreira. Conflitos Socioambientais em torno de recursos naturais e a proposta de criação de reservas extrativistas no cerrado. 30º Encontro Anual da Associação Nacional dos Povos do Cerrado, 2006.
- RIBEIRO, Ricardo Ferreira. “Sertão-Serrado”: História Ambiental e Etnoecologia na Relação entre Populações Tradicionais de Minas Gerais e o Bioma do Brasil Central. 2002. Tese (Doutorado). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
- SILVA, Rosângela da. Unidade de Conservação em território de comunidade Tradicional – um estudo de caso da comunidade Pau Preto norte de Minas Gerais. 2009. Monografia curso de Geografia. Universidade Católica de Minas Gerais.

ü  Este artigo faz parte do caderno de textos dos eventos preparatórios para a 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável.






[1] Geógrafa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. A partir de vivências em campo proporcionadas pelo projeto de Extensão Lições da Terra na comunidade vazanteira denominada Pau Preto em Matias Cardoso, desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso: Unidade de Conservação em território de comunidade Tradicional – um estudo de caso da comunidade Pau Preto, norte de Minas Gerais, orientado pelo Prof. Alecir Moreira, 2009.
[2] Oliveira, 2005, p.17

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