quinta-feira, 13 de outubro de 2011

CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE SOBRE A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

A EXPERIÊNCIA DE CONTAGEM/MG


Maria Aparecida Rodrigues de Miranda[1]
Rosana Cristina Avelar[2]

Debater a construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) é estimulante por ser um tema de grande complexidade. Do ponto de vista histórico este é, ainda, um debate jovem, forjado de relações sociais que remontam à formação da sociedade brasileira com suas complexas estruturas produtoras de desigualdades, concentradora de renda e de poder. O tema da fome e da segurança alimentar emerge no seio dessas contradições e toma corpo de política pública muito recentemente, graças à grande mobilização popular que se traduz no acúmulo sobre o marco legal nos diferentes entes federados e nas conquistas concretas rumo a uma política nacional vigorosa de segurança alimentar e nutricional. No entanto, no âmbito dos municípios ainda faltam referências vivenciadas e concretas.

1.     ANTECEDENTES DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SIMSANS EM CONTAGEM
O município de Contagem localiza-se na região metropolitana de Belo Horizonte. Possui extensão territorial de 195 km² e uma população aproximada de 625 mil habitantes, constituindo-se na terceira cidade mais populosa do Estado (IBGE, 2007). É um município com destacada vocação industrial e sua conformação conta com um grande número pessoas que vieram de diversas regiões mineiras em busca de trabalho e melhores condições de vida.
O desenvolvimento ocorreu de forma desigual - como na maioria das grandes cidades - formando cenários distintos e contraditórios, com algumas regiões mais dinâmicas, estruturadas e urbanizadas, enquanto outras ficaram desprovidas de serviços de infraestrutura, transporte urbano, saneamento e acesso ao trabalho. Isso resultou na formação de regiões ou áreas cujas famílias vivem com renda per capita muito baixa, com alto índice de desemprego, violência e fome.
O debate sobre a segurança alimentar e nutricional no poder público municipal era ausente até 2005. Logo após a posse de um governo democrático e popular, o tema entrou na agenda política, criando condições para se desenvolver a experiência apresentada a seguir.
Partindo do diagnóstico de que o tema ainda é novo e não havia registro de experiências anteriores, tampouco orçamento destinado a qualquer ação, buscou-se realizar movimentos complementares entre a procura de estratégias internas na administração pública (municipal e federal) e a mobilização da sociedade civil que, por sua vez, desenvolvia ações, mesmo que de forma isolada, em prol da segurança alimentar da população.
O primeiro passo foi reconhecer a potencialidade do tema da SANS junto à sociedade civil e organizar o Conselho Municipal de Segurança Alimentar. Num processo dinâmico e participativo, uma equipe composta por representantes do poder público e da sociedade civil trabalhou durante oito meses, resultando na criação e posse do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSAN/Contagem) e do Fundo Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (FUMSAN).
Isso tornou possível a mobilização de aliados dentro e fora do governo e o lançamento das bases para a construção das diretrizes de planejamento das ações de SAN e da estruturação de um órgão gestor próprio. Outra oportunidade foi o apoio do governo federal que, por sua vez, estimulava os municípios através de editais públicos a buscarem recursos junto ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para estruturarem programas de SAN em seus territórios.
A experiência do primeiro ano impulsionou o COMSAN e a equipe de SANS no governo a ampliar o debate junto à sociedade, concretizar os instrumentos de gestão (órgão gestor e de financiamento) e formular eixos e ações que viriam a compor a política municipal. Por meio de uma reforma administrativa foi criada a Coordenadoria de Segurança Alimentar Nutricional e Abastecimento, com organograma próprio e atribuições bem definidas.
Também foram criados programas orçamentários específicos, vinculados à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e ao FUMSAN. Foi realizada a 1ª Conferência Municipal de Segurança Alimentar Nutricional com ampla participação da sociedade civil e de gestores municipais, de onde emanaram as diretrizes para estruturação dos programas e ações da SANS. O planejamento estratégico foi um instrumento fundamental para organizar as ideias, ainda dispersas, em planos de ação, propiciando uma grande reflexão sobre os desafios e possibilidades de se criar a nova política no município.
A política municipal de SANS está refletida nas peças orçamentárias (PPA, LDO e LOA) sistematizada em três programas com metas e orçamento estabelecidos anualmente. No âmbito do planejamento estratégico do Governo, a SAN se tornou um Programa Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional coordenado por uma Câmara Intersetorial de Políticas Sociais. Essa Câmara é composta pelas Secretarias Municipais de Desenvolvimento Social, Educação e Cultura, Saúde, Direito e Cidadania.
Os avanços na construção da política de SANS em Contagem têm relação direta com a metodologia fundada no planejamento, na gestão participativa e na intersetorialidade. A percepção da importância dessa abordagem intersetorial se deu logo no início dessa experiência, a partir da constatação de que o tema era desconhecido no município e que as forças em potencial se encontravam dispersas em diversos setores do governo e da sociedade civil. Para dar conta desse desafio, foi necessário identificar parcerias dentro do governo começando imediatamente por dentro da própria secretaria.

2.     INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SIMSANS EM CONTAGEM
A concretização do sistema de segurança alimentar e nutricional no âmbito do município, sistematizado numa Lei, pode ser entendido como o resultado de um processo de aprendizagem por meio do qual foram descobertas estratégias de sustentabilidade que procuram envolver os agentes públicos e a sociedade civil com o objetivo de garantir o enraizamento da SANS no município. O texto da Lei foi formatado coletivamente no momento em que todos os elementos que constituem um sistema estavam consolidados: o COMSAN, o FUMSAN, a Conferência Municipal de SAN, o órgão gestor (Coordenadoria de Segurança Alimentar Nutricional e Abastecimento/Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social) e a Política (programas, planos, ações, metas e financiamento). Eles formam a estrutura política do Sistema Municipal de Segurança Alimentar Nutricional Sustentável (SIMSANS).
A Lei nº 4.276/2009, que institui o SIMSANS está orientada pelos princípios e diretrizes da LOSAN, da Lei Estadual de SANS e segue as diretrizes das duas conferências realizadas no município em 2006 e 2009, respectivamente. O principal objetivo do SIMSANS é integrar todas as ações de governo e da sociedade civil para garantir o direito humano à alimentação adequada a toda população do município e fazer de Contagem uma cidade sem fome, mais justa e saudável.
O sucesso dessa experiência está na capacidade dos atuais gestores fazerem com que a SANS se torne política pública e imprescindível no município. Questões como a intersetorialidade, a continuidade e a elaboração de uma política municipal integrada de SANS estão em pauta (no governo e na sociedade civil) e alguns instrumentos estão previstos na Lei, como por exemplo, a criação de um Comitê Intersecretarias e as Microrredes Locais, seguindo os territórios dos CRAS. 
Para se avançar na efetivação dessa política, foi criado um Grupo de Trabalho (GT), composto por representantes dos setores governamentais e do COMSAN, no âmbito da Câmara Intersetorial de Políticas Sociais com o propósito de definir estratégias e um plano de ação para a elaboração da Política Municipal de SANS de forma integrada. Além disso, a prática cotidiana da intersetorialidade é imprescindível, pois é a partir da vivência das dificuldades e entraves, que se aprende a buscar caminhos. Outro elemento importante para a garantia da continuidade é a realização de concurso público para servidores que possam ser capacitados e envolvidos com o tema.



ü  Este artigo faz parte do caderno de textos dos eventos preparatórios para a 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável.



[1] Geógrafa, Coordenadora de Segurança Alimentar Nutricional e Abastecimento (CSANA) na gestão pública municipal de Contagem, MG e membro do GT SISAN do CONSEA/MG.
[2] Licenciatura em Letras e Diretora de Promoção e Educação Alimentar Nutricional (CSANA) na gestão pública municipal de Contagem, MG e membro do GT SISAN do CONSEA/MG.
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